A primeira recordação que tenho
do dia 25 de Abril, de 1974, é de ter acordado de madrugada com o telefone a tocar, por
volta das cinco da manhã, tinha eu apenas dez anos de idade. Era o meu tio a
comunicar que estava em movimento um Golpe de Estado em Portugal – ainda não se
chamava revolução - e que, provavelmente, iria viajar nesse mesmo dia para o
Brasil, juntamente com a mulher e o filho. Pela cara do meu pai não pareciam
boas notícias. Eu não fazia a mínima ideia de que o meu apelido estava
associado a um primo capitalista relacionado com o Estado Novo. Facto que
poderia vir a trazer consquências para o meu pai, como se veio a verificar,
tão-somente por ter o mesmo apelido. No entanto, para mim foi uma boa notícia.
Naquele dia não iria à escola, disse-me a minha mãe. Depois lembro-me de
estarmos todos na sala a ouvir a rádio. O ambiente era pesado e eu compreendi que
alguma coisa de grave se passava. Pelas vozes empolgadas que se ouviam na telefonia
e pelas descrições bélicas, imaginei que se tratava de uma guerra. Perguntei
ao meu pai quem é que estava a ganhar, se eram os bons ou se eram os maus. Ele apenas me disse que ainda
era cedo para se saber. Por volta das sete da manhã já havia vizinhos na rua
que conversavam entusiasmados. Alguns estavam apenas vestidos com pijama e
roupão. A Grândola do Zeca Afonso ouvia-se como banda sonora de fundo. Definitivamente
percebi que aquele não era um dia como os outros.
Uma semana mais tarde o ambiente
em casa já estava mais calmo. O meu pai sorria e dizia-me que a ditadura tinha
acabado e a liberdade vinha a caminho. A música que sempre se tinha ouvido, em minha casa, em sussurro tocava aos altos berros. As jarras de flores exibiam cravos vermelhos. Não compreendi nada do que aquilo
significava, nem consegui imaginar tudo o de bom e de mau que veio a seguir. Mas o meu pai estava
feliz, toda a família estava feliz, notava-se sobretudo na face da minha mãe uma expressão imensa de alívio. Perguntei aos meus pais porque estavam tão eufóricos.
Disseram-me: «Estamos felizes porque os teus irmãos mais velhos já não terão
que morrer na guerra do ultramar!»