24/04/2019

25 de Abril


A primeira recordação que tenho do dia 25 de Abril, de 1974, é de ter acordado de madrugada com o telefone a tocar, por volta das cinco da manhã, tinha eu apenas dez anos de idade. Era o meu tio a comunicar que estava em movimento um Golpe de Estado em Portugal – ainda não se chamava revolução - e que, provavelmente, iria viajar nesse mesmo dia para o Brasil, juntamente com a mulher e o filho. Pela cara do meu pai não pareciam boas notícias. Eu não fazia a mínima ideia de que o meu apelido estava associado a um primo capitalista relacionado com o Estado Novo. Facto que poderia vir a trazer consquências para o meu pai, como se veio a verificar, tão-somente por ter o mesmo apelido. No entanto, para mim foi uma boa notícia. Naquele dia não iria à escola, disse-me a minha mãe. Depois lembro-me de estarmos todos na sala a ouvir a rádio. O ambiente era pesado e eu compreendi que alguma coisa de grave se passava. Pelas vozes empolgadas que se ouviam na telefonia e pelas descrições bélicas, imaginei que se tratava de uma guerra. Perguntei ao meu pai quem é que estava a ganhar, se eram os bons ou se eram os maus. Ele apenas me disse que ainda era cedo para se saber. Por volta das sete da manhã já havia vizinhos na rua que conversavam entusiasmados. Alguns estavam apenas vestidos com pijama e roupão. A Grândola do Zeca Afonso ouvia-se como banda sonora de fundo. Definitivamente percebi que aquele não era um dia como os outros.

Uma semana mais tarde o ambiente em casa já estava mais calmo. O meu pai sorria e dizia-me que a ditadura tinha acabado e a liberdade vinha a caminho. A música que sempre se tinha ouvido, em minha casa, em sussurro tocava aos altos berros. As jarras de flores exibiam cravos vermelhos. Não compreendi nada do que aquilo significava, nem consegui imaginar tudo o de bom e de mau que veio a seguir. Mas o meu pai estava feliz, toda a família estava feliz, notava-se sobretudo na face da minha mãe uma expressão imensa de alívio. Perguntei aos meus pais porque estavam tão eufóricos. Disseram-me: «Estamos felizes porque os teus irmãos mais velhos já não terão que morrer na guerra do ultramar!»