Faz hoje, exactamente,
um ano que a livraria Pó dos Livros abriu portas pela última vez. Dezenas de
livrarias fecharam na recente década e outras agonizam em
silêncio. Fiquei impedido
de fazer o que mais gostava, isto é, o de poder estar junto dos livros e de
interagir com pessoas que gostam de livros.
Sinto-me como um
ex-sapateiro, um ex-alfaite, um ex-actor, um ex-jornalista, um
ex-qualquer-coisa que já não serve para nada. Alguém que perdeu o chão e parou
no tempo. Culpei o sistema, o governo, a oposição, a concorrência, a
ignorância, e a mim mesmo. Não necessariamente por esta ordem. Agora já não
culpo ninguém. A verdade é que a maioria das pessoas não quer saber das
livrarias para nada, nem dos livros, nem do teatro, nem da dança, nem das
outras artes ou da cultura em
geral. Parece que
não têm tempo.
E assim dou por mim a
sentir saudades do passado. Do tempo em que havia tempo. Sim, sinto saudades de
ser uma criança que brincava na rua e que tinha milhares de amigos; de
construir e imaginar os meus próprios brinquedos; de comer formigas com sabor a
terra no meu quintal; de esperar, esperar e esperar pelo natal para poder ter
um brinquedo a sério. E depois era uma alegria que durava uma eternidade.
Porque me ensinaram a esperar. Sim, sinto saudades de não depender de um
telemóvel, de um computador ou de uma televisão. Sinto falta de decidir pela
própria cabeça, livre de algoritmos que me bombardeiam com centenas de coisas
para comprar e de que, verdadeiramente, não necessito. (Ainda há-de chegar o
dia em que serão eles a decidir em quem votar). Sim, sinto saudades do que já
não existe e das pessoas que se foram. Talvez esteja a ficar velho? É provável
que o meu cérebro esteja cheio de memórias e não tenha espaço para coisas
novas. Ou talvez seja a natureza a preparar-me para a morte?... Não digo isto
com mágoa, eu sei que a vida evolui.
«E se todo o mundo é
composto de mudança troquemos-lhe as voltas que ainda o dia é uma criança.»
Sem comentários:
Enviar um comentário