30/03/2019

mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Faz hoje, exactamente, um ano que a livraria Pó dos Livros abriu portas pela última vez. Dezenas de livrarias fecharam na recente década e outras agonizam em silêncio. Fiquei impedido de fazer o que mais gostava, isto é, o de poder estar junto dos livros e de interagir com pessoas que gostam de livros. 
Sinto-me como um ex-sapateiro, um ex-alfaite, um ex-actor, um ex-jornalista, um ex-qualquer-coisa que já não serve para nada. Alguém que perdeu o chão e parou no tempo. Culpei o sistema, o governo, a oposição, a concorrência, a ignorância, e a mim mesmo. Não necessariamente por esta ordem. Agora já não culpo ninguém. A verdade é que a maioria das pessoas não quer saber das livrarias para nada, nem dos livros, nem do teatro, nem da dança, nem das outras artes ou da cultura em geral. Parece que não têm tempo.
E assim dou por mim a sentir saudades do passado. Do tempo em que havia tempo. Sim, sinto saudades de ser uma criança que brincava na rua e que tinha milhares de amigos; de construir e imaginar os meus próprios brinquedos; de comer formigas com sabor a terra no meu quintal; de esperar, esperar e esperar pelo natal para poder ter um brinquedo a sério. E depois era uma alegria que durava uma eternidade. Porque me ensinaram a esperar. Sim, sinto saudades de não depender de um telemóvel, de um computador ou de uma televisão. Sinto falta de decidir pela própria cabeça, livre de algoritmos que me bombardeiam com centenas de coisas para comprar e de que, verdadeiramente, não necessito. (Ainda há-de chegar o dia em que serão eles a decidir em quem votar). Sim, sinto saudades do que já não existe e das pessoas que se foram. Talvez esteja a ficar velho? É provável que o meu cérebro esteja cheio de memórias e não tenha espaço para coisas novas. Ou talvez seja a natureza a preparar-me para a morte?... Não digo isto com mágoa, eu sei que a vida evolui. 

«E se todo o mundo é composto de mudança troquemos-lhe as voltas que ainda o dia é uma criança.» 

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