07/04/2020

Espelho Partido

Ilustração de Anton Semenov

Passados tantos dias de quarentena começa a ser difícil conviver. Não com outros, mas comigo. Benditos os outros! Já não aguento os meus pensamentos circulares. A minha voz ecoa dissonante nas quatro paredes da sala, como um violino desafinado. Estou a ficar cada vez mais calado. O que é uma bênção e outros agradecem. Também já sofro de TOC, isto é, transtorno obsessivo-compulsivo, não sei de que tipo, porque não sou psiquiatra, mas de algum tipo sofro de certeza. Pareço uma barata tonta deambulando de cá para lá e de lá para cá, só para gastar o tempo. Por tudo e por nada bato na madeira três vezes, faço figas, deito sal sobre o ombro esquerdo, evito gatos pretos e sussurro rezas estúpidas. Mas pior são os espelhos, não tolero espelhos partidos. Até vos conto uma história: o outro dia ao deitar o lixo fora, depois de abrir a tampa do contentor, vejo uma cara horrenda num quadro surrealista. A imagem era igual a de uma personagem saída de um conto de Edgar Allan Poe, Kafka ou  de H.G Wells.
Antes de me ter dado conta de que era eu próprio reflectido no espelho, pensei: “Não me admira que tenham deitado esta merda fora!”
Pronto já desabafei. Vocês que me lêem, vocês que me aturem!

Sem comentários:

Enviar um comentário