Foto Jaime Bulhosa
A (S.) é uma mulher. Podia ser outra mulher qualquer, no outro lado do mundo, numa casa fechada. A (S.) não tem nome, porque muitas mulheres nem a um nome têm direito. A (S.) foi ensinada, como tantas outras mulheres a ter que tomar conta de tudo. Dizem que é assim, desde há milhares de gerações, tantas que a memória do quando e do porquê se perdeu. E em nenhum livro de história ficou registado, porque o trabalho doméstico de uma mulher não é História.
A (S.) levanta-se de manhã bem cedo e não tem tempo para pensar nela. Ainda assim consegue gastar uns minutos a colocar um pouco de eyeliner para estar bonita. Mesmo achando que já ninguém olha para ela. Recompõe-se, tem que se organizar. Apanhar tudo o que ficou espalhado pela casa no dia anterior. Acorda o marido, veste os filhos, prepara o almoço, enquanto pensa no que vai fazer para o jantar depois do teletrabalho. Deixa as panelas em lume brando para conseguir fazer as camas de lavado e varrer o chão. Depois coloca a roupa suja na máquina de lavar, pega na esfregona e apanha a água do chão que escorre do esgoto. Esgoto que continua entupido, apesar das promessas repetidas do marido em resolver o assunto. A (S.) precisa de pensar em tudo. Em tantas coisas ao mesmo tempo que se julga ignorante por já não ter vontade de ler ou de ver um pouco de televisão. Contudo, o marido vê as notícias por ela sentado no sofá. Diz-lhe que se tem que desinfestar tudo e mais alguma coisa. Existe um vírus que mata. Ela teme pelos seus e pelos outros. A (S.) continua a arrumar, a arrumar porque há sempre milhares de coisas que tem de saber onde estão. Para poder responder a quem grita:
- Mãe onde está isto? Oh (S.) onde puseste aquilo?
A (S.) já não se lembra onde arrumou o que lhe pedem, porque está exausta, meio zonza e triste porque ainda refilam. A (S.) não sabe quanto tempo isto vai demorar, talvez a vida toda.
Um dia a (S.) arrumar-se-á a ela própria e nunca mais ninguém a irá encontrar.
A (S.) levanta-se de manhã bem cedo e não tem tempo para pensar nela. Ainda assim consegue gastar uns minutos a colocar um pouco de eyeliner para estar bonita. Mesmo achando que já ninguém olha para ela. Recompõe-se, tem que se organizar. Apanhar tudo o que ficou espalhado pela casa no dia anterior. Acorda o marido, veste os filhos, prepara o almoço, enquanto pensa no que vai fazer para o jantar depois do teletrabalho. Deixa as panelas em lume brando para conseguir fazer as camas de lavado e varrer o chão. Depois coloca a roupa suja na máquina de lavar, pega na esfregona e apanha a água do chão que escorre do esgoto. Esgoto que continua entupido, apesar das promessas repetidas do marido em resolver o assunto. A (S.) precisa de pensar em tudo. Em tantas coisas ao mesmo tempo que se julga ignorante por já não ter vontade de ler ou de ver um pouco de televisão. Contudo, o marido vê as notícias por ela sentado no sofá. Diz-lhe que se tem que desinfestar tudo e mais alguma coisa. Existe um vírus que mata. Ela teme pelos seus e pelos outros. A (S.) continua a arrumar, a arrumar porque há sempre milhares de coisas que tem de saber onde estão. Para poder responder a quem grita:
- Mãe onde está isto? Oh (S.) onde puseste aquilo?
A (S.) já não se lembra onde arrumou o que lhe pedem, porque está exausta, meio zonza e triste porque ainda refilam. A (S.) não sabe quanto tempo isto vai demorar, talvez a vida toda.
Um dia a (S.) arrumar-se-á a ela própria e nunca mais ninguém a irá encontrar.